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Urubu Rei foi uma curadoria conjunta do Atelier Contágio com o Goma Arte e Cultura. Em Campinas, restam apenas 2,5% de sua vegetação originária, ao passo que esse desmatamento se deu à custa de séculos de escravidão. Ainda hoje, a desigualdade econômica entre os bairros da cidade é menor que a desigualdade de árvores por pessoa, segundo pesquisa da Secretaria do Verde. Do mesmo modo, acontecimentos na refinaria de petróleo Replan causaram a emissão de gases tóxicos que afetaram indistintamente a saúde das pessoas, animais, plantações e ecossistemas da região.
Com isso, os envolvidos percebem que a perpetuação dessas condições, agravadas pela recente redução de direitos sociais e a ausência de critérios reguladores da especulação mercadológica sobre o ambiente, transformaram a perspectiva do país em um grande cadáver. Foi assim que surgiu uma grande correspondência de sentimentos, desejos e expressões com o Urubu-Rei, espécie hoje em extinção no estado de São Paulo, por sua capacidade regenerativa no ambiente. A espécie é capaz de ver a três mil metros de altura e sentir o cheiro da carniça a cinquenta quilômetros de distância. Com essa mesma atenção para a crise ética e sociopolítica, as produções artísticas se alimentam do que restou do país em bando, reciclam a subjetividade e a retornam aos demais organismos da cadeia alimentar como vida, diferença e criação. Agradecemos o setor de sustentabilidade da Amphenol Broadband Solutions nas figuras de Thais e Anderson pela doação e entrega dos carreteis e pallets que nos foram tão imporantes. (Leia o texto curatorial completo ao final da página) Curadoria: Mathias Reis e Francisco Flores Artistas: Adriana Conceição . Alejandro Chellet . ALMA . Anders Kaltner . Andreia Dulianel . Ariane Venturini . Bruna Dolenc . Bruno Trchmnn . Caio Boteghim . Camillat . Cecilia Stelini . Cristiano Cerejo . Constante . Diana Lanças . Fabiano Carriero . Gabriel Neftali . Iam Campigotto . Izabela Pereira . João Wesley de Souza . Luiz Cruz . Luis Martinelli . Mateus Stelini . Mathias Reis . Mirs Monstrengo . Otavio Abdalla . Projeto Look Up (Bruna Rossi, Rodrigo Marques, Sara Cora, Vanessa Godoy) . Projeto Vielas Expressas (Adeniran Baltazar, Bruno Costa, Caio Gusmão, Estevão Daminelli, Fernanda Xavier, Mônica Yumi) . Raphael Wohnrath . Sarah Valle . Seizo Soares . Silvia Matos . Sorina Hoffmann . Vinicius Spelborea . Vitor Pohl . Vitor e Maria Nascimento . Talita Horniche . Thalita David . |
Trabalhos
Vídeos (mostra de performance, pintura ao vivo)
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Fotos do evento
Texto curatorial
Por Francisco Flores e Mathias Reis
Urubu-Rei é uma ocupação de artes e eco-lógicas a partir de uma curadoria conjunta entre o Goma Arte e Cultura com o Atelier Contágio. Os espaços são ocupados por uma exposição de artes visuais, recebendo também em sua área externa instalações, esculturas, bio-construções e reutilização de pallet’s e de grandes bobinas carreteis, material doado através do apoio do setor de sustentabilidade da Empresa Amphenol Broadway Solutions. Ao longo do dia de abertura, o evento recebe ainda uma mostra de performance, pintura ao vivo, apresentações sonoras-musicais, tatuagem e fogueira. O Goma é um projeto de agenciamentos artísticos, musicais, culturais, familiares, filantrópicos, midiáticos, gastronômicos, estéticos e de modos de viver. Já houveram encontros como um desfile de moda de vestuário agênero, palestras, bazares, oficinas de mandalas de cerâmica, cosméticos naturais, cursos de astrologia, exposições de ilustrações, aulas de yoga, apresentação de músicas devocionais, flash tattoos, eventos de adoção de animais, batalhas de rap, campeonato de tênis de mesa e longas festas. O encontro entre estéticas e manifestações culturais, de fato, se torna mais que especial: não é apenas uma soma de duas redes que buscam pela diferença e multiplicidade, é criação - o todo é mais que a soma das partes - algo de novo se enuncia!
Vivemos num regime dominante que permeia todos os campos de expressão semióticos. O capitalismo se instala na própria produção de subjetividade que se vende massivamente como promessa de singularização para milhões de sujeitos. Promove como principal estratégia de expansão, a captura dos processos de subjetivação num movimento de nivelamento. Deleuze e Guattari em o ‘Anti-Édipo’ apontam que o capitalismo é capaz de se metamorfosear - ele alarga seus limites elasticamente. Sempre que pensamos que nos aproximamos de seus limites históricos, esperando por uma crise ou sua superação, seus horizontes são colocados além, e assim permanece, embora não seja sempre o mesmo. Queremos que experiências de vida enriquecedoras sejam articuladas com atitudes políticas focadas em capturar tudo que nos é dado pela mass-media, pelo regime moral dominante, pela família, pelo trabalho, pela publicidade, e destrinchar seus elementos molares apostando nas possibilidades da experimentação criativa, numa tentativa de reverter os elementos estratificados. Mesmo que a subjetivação contemporânea se encontre inexoravelmente ancorada em dispositivos capitalistas, não somos totalmente aprisionados, sempre é possível resistir as modelizações e ser tão inventivos e produtivos quanto.
Ao invés de distinguir a cultura da natureza, compreendemos o ambiente como parte desse contexto, uma ecologia social, que, no entanto, não é exclusiva dos seres humanos. Elementos industriais reaproveitados ou não, também estão inseridos nos projetos artísticos e nos hábitos dos envolvidos. Vemos que a proximidade entre questões sociais e ambientais estão sempre reunidas num único espaço compartilhado entre diversas espécies onde matéria, energia e subjetividade produzem um jogo de forças. Isso não é entendido como uma contradição, mas como sintoma de complexidade. Se ignorarmos esses paradoxos – corremos o risco de forjar nossas experiências a marretadas por um romantismo. Essa alta dosagem de realismo, ou de sobriedade, são necessárias à nossa loucura, são o pé na terra de onde brotam os pensamentos mais abstratos. Não é de se surpreender que quem chegou a última edição do Contágio encontrou artistas em performance serrando uma árvore exótica invasora (Leucena). Essa árvore nasceu no muro de divisa com outra propriedade, ambas alugadas por pessoas que não poderiam restituí-lo: a eco-lógica do ambiente não é uma harmonia holística, exige nos situarmos eticamente em grandes conflitos – quem afinal, serrou a árvore?
Nos interessam essas escolhas perante os processos, vivências, deslocamentos e encontros com os gérmens de novos mundos, devires moleculares de onde partem nossas expressões. Essa proposta não é uma ameaça a historicidade da arte por sua consciência socioambiental - nos alimentamos dela enquanto fazemos a antropofagia de um grande cadáver em decomposição a que chamam de país, ou mundo globalizado, que cai sobre nosso colo. Em Campinas, restam apenas 2,5% de sua vegetação originária, ao passo que esse desmatamento se deu à custa de séculos de escravidão. Ainda hoje, a desigualdade econômica entre os bairros da cidade é menor que a desigualdade de árvores por pessoa, segundo pesquisa da Secretaria do Verde. Do mesmo modo, acontecimentos recentes na refinaria de petróleo Replam causaram a emissão de gases tóxicos que afetaram indistintamente a saúde das pessoas, animais, plantações e ecossistemas da região. No cenário contemporâneo a subjetividade é bem mais valiosa que o petróleo. Essa afirmação de Guattari e Suely Rolnik, estabelece a relação direta entre subjetividade e política, já que ela é fabricada, modelada, consumida, e produz mundos de humanos adultos, com consequências materiais alarmantes. Nossos movimentos devem ser atentos para perceber o que nos captura e nos homogeniza, nos codifica para o mundo da normalidade, um mundo do regime dominante. A subjetividade, como tudo aquilo que concorre para a produção de um “si”, um modo de existir, um estilo, é um campo de investimento criativo, um campo onde promovamos pequenas práticas que sejam focos de criatividade e experiências de vida enriquecedoras das relações das pessoas com o mundo. O horizonte está sempre em movimento por essas forças.
Percebemos que a perpetuação dessas condições, agravadas pela recente redução de direitos sociais e a ausência de critérios reguladores da especulação mercadológica sobre o ambiente, transformaram a perspectiva do país em um grande cadáver. Foi assim que surgiu uma grande correspondência de sentimentos, desejos e expressões com o Urubu-Rei, espécie hoje em extinção no estado de São Paulo, por sua capacidade regenerativa no ambiente. A espécie é capaz de ver a três mil metros de altura e sentir o cheiro da carniça a cinquenta quilômetros de distância. Com essa mesma atenção para a crise ética e sociopolítica, as produções artísticas se alimentam do que restou do país em bando, reciclam a subjetividade e a retornam aos demais organismos da cadeia alimentar como vida, diferença e criação.
“Evitemos dizer que há leis na natureza. Nela só há necessidades: ninguém manda, ninguém obedece, ninguém desobedece. Quando souberem que não há fins, saberão igualmente que não há acaso: somente em um mundo de fins que a palavra acaso tem sentido. Evitemos dizer que a morte é o oposto da vida. A vida não passa de uma variedade da morte e uma variedade muito rara (...). Mas quando acabaremos de nos preocupar? Quando teremos despojado completamente a natureza de seus atributos divinos? Quando poderemos nós, homens, tornar a ser natureza?” (NIETSZCHE, A gaia ciência)
Urubu-Rei é uma ocupação de artes e eco-lógicas a partir de uma curadoria conjunta entre o Goma Arte e Cultura com o Atelier Contágio. Os espaços são ocupados por uma exposição de artes visuais, recebendo também em sua área externa instalações, esculturas, bio-construções e reutilização de pallet’s e de grandes bobinas carreteis, material doado através do apoio do setor de sustentabilidade da Empresa Amphenol Broadway Solutions. Ao longo do dia de abertura, o evento recebe ainda uma mostra de performance, pintura ao vivo, apresentações sonoras-musicais, tatuagem e fogueira. O Goma é um projeto de agenciamentos artísticos, musicais, culturais, familiares, filantrópicos, midiáticos, gastronômicos, estéticos e de modos de viver. Já houveram encontros como um desfile de moda de vestuário agênero, palestras, bazares, oficinas de mandalas de cerâmica, cosméticos naturais, cursos de astrologia, exposições de ilustrações, aulas de yoga, apresentação de músicas devocionais, flash tattoos, eventos de adoção de animais, batalhas de rap, campeonato de tênis de mesa e longas festas. O encontro entre estéticas e manifestações culturais, de fato, se torna mais que especial: não é apenas uma soma de duas redes que buscam pela diferença e multiplicidade, é criação - o todo é mais que a soma das partes - algo de novo se enuncia!
Vivemos num regime dominante que permeia todos os campos de expressão semióticos. O capitalismo se instala na própria produção de subjetividade que se vende massivamente como promessa de singularização para milhões de sujeitos. Promove como principal estratégia de expansão, a captura dos processos de subjetivação num movimento de nivelamento. Deleuze e Guattari em o ‘Anti-Édipo’ apontam que o capitalismo é capaz de se metamorfosear - ele alarga seus limites elasticamente. Sempre que pensamos que nos aproximamos de seus limites históricos, esperando por uma crise ou sua superação, seus horizontes são colocados além, e assim permanece, embora não seja sempre o mesmo. Queremos que experiências de vida enriquecedoras sejam articuladas com atitudes políticas focadas em capturar tudo que nos é dado pela mass-media, pelo regime moral dominante, pela família, pelo trabalho, pela publicidade, e destrinchar seus elementos molares apostando nas possibilidades da experimentação criativa, numa tentativa de reverter os elementos estratificados. Mesmo que a subjetivação contemporânea se encontre inexoravelmente ancorada em dispositivos capitalistas, não somos totalmente aprisionados, sempre é possível resistir as modelizações e ser tão inventivos e produtivos quanto.
Ao invés de distinguir a cultura da natureza, compreendemos o ambiente como parte desse contexto, uma ecologia social, que, no entanto, não é exclusiva dos seres humanos. Elementos industriais reaproveitados ou não, também estão inseridos nos projetos artísticos e nos hábitos dos envolvidos. Vemos que a proximidade entre questões sociais e ambientais estão sempre reunidas num único espaço compartilhado entre diversas espécies onde matéria, energia e subjetividade produzem um jogo de forças. Isso não é entendido como uma contradição, mas como sintoma de complexidade. Se ignorarmos esses paradoxos – corremos o risco de forjar nossas experiências a marretadas por um romantismo. Essa alta dosagem de realismo, ou de sobriedade, são necessárias à nossa loucura, são o pé na terra de onde brotam os pensamentos mais abstratos. Não é de se surpreender que quem chegou a última edição do Contágio encontrou artistas em performance serrando uma árvore exótica invasora (Leucena). Essa árvore nasceu no muro de divisa com outra propriedade, ambas alugadas por pessoas que não poderiam restituí-lo: a eco-lógica do ambiente não é uma harmonia holística, exige nos situarmos eticamente em grandes conflitos – quem afinal, serrou a árvore?
Nos interessam essas escolhas perante os processos, vivências, deslocamentos e encontros com os gérmens de novos mundos, devires moleculares de onde partem nossas expressões. Essa proposta não é uma ameaça a historicidade da arte por sua consciência socioambiental - nos alimentamos dela enquanto fazemos a antropofagia de um grande cadáver em decomposição a que chamam de país, ou mundo globalizado, que cai sobre nosso colo. Em Campinas, restam apenas 2,5% de sua vegetação originária, ao passo que esse desmatamento se deu à custa de séculos de escravidão. Ainda hoje, a desigualdade econômica entre os bairros da cidade é menor que a desigualdade de árvores por pessoa, segundo pesquisa da Secretaria do Verde. Do mesmo modo, acontecimentos recentes na refinaria de petróleo Replam causaram a emissão de gases tóxicos que afetaram indistintamente a saúde das pessoas, animais, plantações e ecossistemas da região. No cenário contemporâneo a subjetividade é bem mais valiosa que o petróleo. Essa afirmação de Guattari e Suely Rolnik, estabelece a relação direta entre subjetividade e política, já que ela é fabricada, modelada, consumida, e produz mundos de humanos adultos, com consequências materiais alarmantes. Nossos movimentos devem ser atentos para perceber o que nos captura e nos homogeniza, nos codifica para o mundo da normalidade, um mundo do regime dominante. A subjetividade, como tudo aquilo que concorre para a produção de um “si”, um modo de existir, um estilo, é um campo de investimento criativo, um campo onde promovamos pequenas práticas que sejam focos de criatividade e experiências de vida enriquecedoras das relações das pessoas com o mundo. O horizonte está sempre em movimento por essas forças.
Percebemos que a perpetuação dessas condições, agravadas pela recente redução de direitos sociais e a ausência de critérios reguladores da especulação mercadológica sobre o ambiente, transformaram a perspectiva do país em um grande cadáver. Foi assim que surgiu uma grande correspondência de sentimentos, desejos e expressões com o Urubu-Rei, espécie hoje em extinção no estado de São Paulo, por sua capacidade regenerativa no ambiente. A espécie é capaz de ver a três mil metros de altura e sentir o cheiro da carniça a cinquenta quilômetros de distância. Com essa mesma atenção para a crise ética e sociopolítica, as produções artísticas se alimentam do que restou do país em bando, reciclam a subjetividade e a retornam aos demais organismos da cadeia alimentar como vida, diferença e criação.
“Evitemos dizer que há leis na natureza. Nela só há necessidades: ninguém manda, ninguém obedece, ninguém desobedece. Quando souberem que não há fins, saberão igualmente que não há acaso: somente em um mundo de fins que a palavra acaso tem sentido. Evitemos dizer que a morte é o oposto da vida. A vida não passa de uma variedade da morte e uma variedade muito rara (...). Mas quando acabaremos de nos preocupar? Quando teremos despojado completamente a natureza de seus atributos divinos? Quando poderemos nós, homens, tornar a ser natureza?” (NIETSZCHE, A gaia ciência)
Processos coletivos
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