Sarah Valle
Urubu Rei - Setembro/2018
Lançamento do livro "Arquitetura do Sim - fragmentos de um diário da Ásia"
Aos vinte, duas brasileiras vivem em pequenas propriedades rurais no norte da Tailândia e do Vietnã, trabalhando em troca de estadia. O livro poderia ser um thriller, flerta com ‘Coração das trevas’ e atualiza a tradição dos diários de viagens escritos por mulheres. Por outro lado, herda de ‘O amante’ o tempo das iniciações: terno, assombroso. Deriva de um ímpeto corporal: escrever a partir do que fortalece. E investiga hipóteses radicais: habitar desejos estrangeiros, trabalhar a terra dos outros. Sobretudo é um livro feito com as mãos. "Nós vamos tomar o sentido da terra, – Joana diz – isto é, trabalhar a terra dos outros. E, de terra em terra, Júlia, conheceremos o sentido do humano. Teremos todas as forças. Pois teremos as forças necessárias para trabalhar as mais distintas terras. E teremos diferentes cores em nossa pele, de diferentes sóis. Daqui seguiremos para as fazendas de chá na China, às montanhas do Nepal, até trabalhar a seda na caxemira, giraremos como dervixes no Turquistão e montaremos cavalos na Mongólia" "Ao entardecer, os cães correm atrás de nossas bicicletas. Velhos vendem chá de gengibre e lascas de soja em sacolas plásticas, pererecas e peixes vivos. O rio Ing corre ao contrário, subindo o Mekong. Sinchai se lembra de seus três búfalos cor-de-rosa. A estação de ônibus está vazia. Crianças colhem caramujos para o jantar. No mercado, carregam-se porcos em carrocerias. O segredo do arroz é a folha de pandan. Joana macera alho, kratiam, cebola, hua ngan, capim-cidreira, takrhai, pimenta, prip thai, e pac tshi para temperar o peixe do Mekong. No galinheiro, o galo de briga assassinou o pintinho mais esperto. Moscas rodeiam a lama que pisamos de mãos dadas com Sinchai, como uva para vinho. Sinchai diz que somos galos campeões. Desta vez parece que vai mesmo chover. Antediluvianos, amarramos plásticos em torno da casa de barro, salvamos dezenas de tijolos. E, guardados nela, enquanto as paredes derretem, rimos dos trovões, comendo o resto da colmeia, agora salgada, depois de assada numa folha de bananeira." |